A dinâmica econômica e social imprimida nas décadas de 80 e 90 do século passado produziu consequências materiais e culturais desastrosas para os e as jovens brasileiros. A falta de emprego, a miséria e a violência desagregaram os laços sociais e enfraqueceram a capacidade de organização e mobilização juvenil. A criminalização da política e dos movimentos sociais, a propagação do individualismo e do empreendedorismo descrente da construção de alternativas coletivas tornaram hegemônica uma cultura política adversa aos sonhos e utopias.
Ao mesmo tempo, esse processo coincidiu com a reconstrução da União Nacional dos Estudantes, através da sua atuação decisiva nas grandes lutas em que a juventude e a sociedade brasileira se envolveram, como por exemplo o processo de Impeachment do presidente Collor, a resistência ao projeto neoliberal e, posteriormente, ajudando a eleger e reeleger os governos democráticos e populares no Brasil.
Como consequência, interrompemos o avanço do neoliberalismo em nosso continente e iniciamos a construção de uma nova hegemonia democrática e popular, através de um programa de Revolução Democrática, que tem transformado a consciência do povo brasileiro, iniciado uma mudança na natureza do Estado brasileiro e alterado a correlação de forças no país. A terceira vitória consecutiva sobre as forças neoliberais expressam a força da atual consciência anti-liberal do povo brasileiro. Essa consciência é hoje mais nacional, popular, democrática, confiante e esperançosa no futuro.
Ao mesmo tempo, o Estado brasileiro começou a ser republicanizado, isto é, iniciou-se a redução da privatização e mercantilização das funções do Estado e passou-se a ampliar a esfera pública. O governo Lula foi de disputa e com enormes contradições, mas marcado por um profundo combate às desigualdades sociais e pelo esforço sistêmico de tornar a nossa sociedade mais justa e solidária, com a ampliação das políticas sociais e com o avanço, ainda que tímido, da democracia participativa.
O avanço dos direitos do trabalho, da cidadania e o ambiente democrático de relação com os movimentos sociais formam também uma nova correlação de forças mais favorável ao campo progressista.
A UNE em conjunto com as demais entidades do movimento social foram fortalecidas e ampliaram a sua ação na proposição e construção das políticas. Esse processo reforçou o peso, o papel e a legitimidade histórica da UNE como a principal entidade do movimento juvenil brasileiro. Com isso, cresceu também o desafio de atualizar a sua plataforma política para a educação e para o país em geral e a sua forma de organização. A legitimação na sua base social fortalecerá a capacidade da UNE para mobilizar, enfrentar e construir alternativas nessa conjuntura plena de perspectivas para o socialismo democrático.
Construindo uma Nova Cultura Política
Como a maior parte dos movimentos sociais e do campo da esquerda, a UNE tem vivido as contradições de assumir a construção de uma nova hegemonia no país. Tendo estado grande parte da sua história numa posição de enfrentamento e oposição aos governos e à hegemonia dominante no país, estamos construindo uma nova identidade programática que ainda carece de maior legitimidade com o conjuntos dos/as estudantes.
O sentimento generalizado de que o movimento estudantil articula suas pautas a partir de interesses não reconhecidos pelos/as estudantes, organizando as disputas e o controle das entidades estudantis em função dos interesses partidários, tem relação com a cultura política neoliberal que estamos enfrentando e pretendemos superar. De fato, o movimento estudantil possui a característica, ausente na maior parte dos movimentos sociais, de vincular as suas lutas imediatas ao tempo histórico e à luta política realmente existente no país. Mas isso é uma virtude e não um desvio aparelhista.
As dificuldades de maior aproximação com a realidade da base tem a ver com a necessidade de democratização da UNE. A atuação da Kizomba no movimento estudantil tem sido decisiva no último período, no qual esse desafio começou a ser encarado mais firmemente pela entidade. Uma demonstração disso foi a aprovação dos Conselhos Fiscais e Editoriais, ainda em implementação. Além disso, a Kizomba vem defendendo e acreditamos que seja o momento decisivo da entidade assumir uma política de cotas que garanta a participação paritária de mulheres e homens na sua direção (pleno e executiva).
A tarefa de democratizar a UNE tem a ver com a perspectiva de socialização, vinculando a democratização da entidade ao objetivo estratégico de ampliar a sua legitimidade política perante o conjunto de estudantes e sua capacidade de intervir na atual conjuntura brasileira.
Nesse sentido, a organização dos Encontros de Mulheres Estudantes (EMEs) e dos Encontros de Negros, Negras e Cotistas da UNE (ENUNE) têm sido fundamental para que a entidade incorpore as novas agendas e se aproxime desses novos sujeitos políticos que têm se inserido na universidade com a democratização do ensino superior. Esses espaços devem ser fortalecidos e aprimorados como fórum próprio de debates, formação e auto-organização dos e das estudantes. A UNE também deve incentivar o surgimento de organização em outros temas, como do combate à homofobia, do meio ambiente.
Um outro espaço retomado a partir da força de pressão da Kizomba foram os Conselhos Nacionais de Entidades de Base. Os CONEB`s são fundamentais na ampliação da legitimidade da UNE, na perspectiva em que podem servir para que as pautas gerais apresentadas pela entidade estejam vinculadas com as demandas cotidianas e concretas dos e das estudantes. Além disso, têm sido o espaço prioritário para a elaboração recente da UNE no campo das políticas educacionais, como no caso do Projeto de Reforma Universitária e na recente discussão sobre o Plano Nacional de Educação.
A dinâmica dos fóruns da UNE, porém, têm demonstrado limitações por não conseguirem envolver e proporcionar a participação plena dos e das estudantes. Com isso, a formulação e construção dos espaços têm ficado excessivamente por conta das forças políticas. Por isso, é necessário um novo formato para os fóruns da UNE, tornando-os mais dinâmicos e participativos. A apresentação de textos-bases pela direção da UNE, orientando o debate preparatório para os encontros, e o funcionamento efetivo dos Grupos de Discussão são apontadas por nós como soluções para essa renovação dos encontros e congressos da UNE.
É importante também reforçarmos o papel das campanhas e jornadas de luta para a construção de uma UNE militante e de massas. É através destes momentos que a entidade consegue expressar nas ruas as bandeiras construídas coletiva e democraticamente em seus fóruns.
Esses seriam passos fundamentais para que a UNE se fortaleça na base estudantil, construindo uma identidade militante e ganhando o conjunto de estudantes para os desafios da luta política. Fortalecida e legitimada pelos estudantes a UNE terá, consequentemente, mais força e capacidade de apresentar a sua plataforma política e educacional para interferir nos rumos do país.
As possibilidades abertas pela nova conjuntura
A democratização da estruturas e aproximação da UNE com o conjunto dos estudantes tem mais sentido quando reforçamos a concepção de que a nossa atuação no movimento estudantil deve estar concatenada com os desafios abertos pela conjuntura. Essa compreensão é que têm permitido à UNE apresentar uma intervenção qualificada nos temas da juventude e da sociedade.
A partir deste horizonte estratégico, e com base na maturidade e acúmulo histórico adquirido nos oito anos de Governo Lula, devemos compreender este início de governo Dilma como um momento de intensa disputa de rumos.
A UNE, em conjunto com os movimentos sociais e partidos do bloco democrático-popular, deve incidir neste processo e impulsionar a construção de uma nova hegemonia. Nesse sentido, elencamos algumas prioridades para a entidade no próximo período:
1) Plano nacional de educação: A UNE deve definir como centro da pauta educacional do próximo período a disputa em torno do Plano Nacional de educação, baseada na opinião de que a luta por mudanças no PNE é fundamental para caminharmos para a democratização da educação brasileira.
2) Repulicanização do Estado Brasileiro: É fundamental a mobilização do movimento estudantil para caminharmos em um processo consistente de republicanizar o estado brasileiro. Nesse caminho estão, em especial, as agendas da reforma política, do fortalecimento do SUS, da democratização dos meios de comunicação e do enfretamento ao capital financeiro.
3) 2ª Conferência Nacional de Juventude: Construir uma forte intervenção na 2ª Conferência Nacional de Juventude é um instrumento fundamental de aumento do protagonismo da entidade na disputa de rumos do País.
4) Movimentos Sociais: A reorganização da CMS é uma condição importante para a articulação dessas agendas. A nova correlação de forças criada a partir do governo Lula ampliou a capacidade de intervenção dos movimentos sociais, mas ainda existe a necessidade de um espaço permanente de articulação das nossas lutas.
5) Mulheres: A UNE deve organizar uma campanha evidenciando as agressões a que as mulheres estão submetidas. As mortes violentas, as campanhas publicitárias, a medicalização do corpo feminino, as calouradas são parte de uma nova face do machismo que reveste a feminilidade com um viés moderno e independente, mercantilizando a vida das mulheres. A partir da articulação com outros movimentos sociais, a UNE deve protagonizar essa campanha contra a violência contra as mulheres.
6) Negros e Negras: Retomada e aprofundamento da campanha pela aprovação das políticas de reserva de vagas com critério étnico-racial com vias a inclusão da população afrodescendente no ensino superior público.
7) Democratização da UNE: Fortalecer as experiências aprovadas no último Congresso da UNE de Conselho Editorial e Fiscal. No decorrer dos últimos dois anos, a entidade teve dificuldade de garantir o funcionamento destes espaços. No entanto, sua estruturação e funcionamento deve entrar como agenda importante do próximo período.
A unidade do campo democrático-popular na UNE
O avanço nas agendas propostas estão intimamente ligadas com o fortalecimento da UNE. A entidade fica mais forte, amplia sua legitimidade social e aumenta sua capacidade de intervir nos rumos do país a cada vitória conquistada. A Kizomba está entre aqueles e aquelas que entende o transcrescimento das lutas da juventude brasileira e o fortalecimento da UNE como um processo vigoroso e dialético, por isso, ao mesmo tempo em que avançamos nas políticas da entidade ampliamos nossa capacidade de disputa da hegemonia no Brasil.
Estamos entre aqueles e aquelas que entendem a unidade programática em torno do avanço do programa da revolução democrática no Brasil como um instrumento marcante de uma nova cultura política no movimento estudantil. Por isso, defendemos a necessidade de fortalecermos o campo democrático e popular na UNE como a tática mais acertada diante dos desafios de democratizar a UNE e de fortalecer seu papel protagonista na disputa de rumos do país.
A construção do campo democrático popular na UNE é fundamental para consolidarmos a derrota da política neoliberal no Brasil, avançar nas conquistas na área educacional e nas conquistas cidadãs e democráticas iniciadas no último período. Tal unidade também avança na ofensividade e reorganização colocada hoje aos movimentos sociais no Brasil e fortalece nossa entidade enquanto impulsionadora desse campo político e social.
A Kizomba se prõpoe a ser a cada dia mais parte deste processo de transformação. Por isso, ampliamos nos últimos anos nossa presença e nossa responsabilidade com a atuação na UNE e nas diversas entidades do movimento estudantil brasileiro. Neste sentido, construiremos de forma cotidiana as agendas propostas como desafios para a UNE no próximo período.
Os desafios do movimento estudantil e da UNE são cada dia mais os desafios da Kizomba.
Tiago Ventura é Vice Presidente da UNE, Joanna Paroli é Diretora de Universidades Privadas da Executiva da UNE, Clarissa Cunha é Secretária Geral da UEE-RJ e Estevão Cruz é Diretor de Assistência Estudantil da UEE-MG
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